Logomarca do Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha

Antônio Muniz em uma foto da cintura para cima; fazendo uma leitura em Braille

 Nasci em 1954,  na zona rural do distrito de Pilõezinhos, hoje cidade, mas, na época, pertencente à Guarabira, cidade do Brejo paraibano.

 

Aos seis meses de idade minha mãe descobriu que eu não enxergava.

 

Militante política, minha mãe conseguiu com um dos candidatos a Prefeito de Guarabira, Dr. Sílvio Porto, que bancasse todo o meu tratamento em João Pessoa, no Hospital Santa Izabel. Assim, entre os dois e três anos de idade, minha vida, junto com minha guerreira mãe, Severina Muniz de Medeiros, já falecida, foi um verdadeiro peregrinar entre Guarabira e João Pessoa para o tratamento dos meus olhos. Lembro perfeitamente que a viagem era feita de trem. Hoje, o percurso é feito em apenas uma hora e meia, de ônibus. Naquele tempo, pela ferrovia, a viagem durava em torno de sete horas.

 

O Dr. Granvilli Costa, um dos melhores oftalmologistas da capital paraibana na época, fez duas raspagens no meu olho esquerdo e uma no olho direito, pois minha doença era catarata congênita. Graças a estas intervenções cirúrgicas, fiquei com um resíduo visual em torno de 5% no olho direito e apenas com percepção de luminosidade no olho esquerdo.

 

Desde muito cedo, meu grande desejo era estudar. Não sabia como, nem de que jeito, mas queria ter acesso ao conhecimento. Eu insistia de tal modo com minha mãe, que ela permitiu que eu acompanhasse meus irmãos à casa de uma professora que ensinava as primeiras letras aos meninos do sítio. Felizmente, ela teve muita paciência comigo e até me deu uma "cartilha do ABC", onde eu consegui aprender, com o que até hoje chamo de "caquinho de olho", quase todos os caracteres comuns.

 

Insisti de tal modo para frequentar uma escola, que, certo dia, fui levado para João Pessoa, a fim de estudar num instituto que só ensinava a pessoas cegas.

 

Acontece que não havia vaga e, porque não dispúnhamos de meios para estar viajando sempre, fui acolhido pelo Hospital São Vicente de Paula, a fim de aguardar a tão ansiada oportunidade.

 Enfim, chegou o dia! Era uma manhã ensolarada como hoje. O calendário marcava 13 de junho de 1962. Uma ambulância nos conduziu, a mim e minha mãe para a Av. Santa Catarina, à Época bairro de Mandacaru, onde se localizava o Instituto de Cegos da Paraíba. Fomos recebidos por Dona Carmina Lucena, Diretora do estabelecimento, que lá residia com sua genitora, Dona Maria Lucena.

 

Minha mãe partiu e, claro, não derramei uma lágrima sequer, porque naquele momento, eu estava realizando do meu maior desejo, que era estudar, embora não tivesse a menor ideia de como seria.

 

Este Educandário tiflológico havia sido fundado em 1944, por Dona Adalgisa Duarte da Cunha, dama da sociedade pessoense, compadecida com a situação de abandono social e econômico em que viviam as pessoas cegas e com baixa visão no Estado da Paraíba.

 

Voltando ao meu ingresso no Instituto, a Diretora imediatamente reuniu os internos e fez meu acolhimento. Todos me deram boas vindas e ouvi pela primeira vez em minha vida, as regras básicas do bem viver: Quando for pedir algo para alguém, falar antes: "por favor". Ao receber algo de uma pessoa, dizer: "Muito obrigado". Se por acaso tropeçar em alguém ou falar algo impróprio, é para pedir "desculpas". E tudo isto me foi apresentado através de belos e divertidos "corinhos". De suas letras e músicas, já esqueci. Mas, as regrinhas básicas, nunca me saíram do pensamento.

 

Passado o primeiro entusiasmo, eis que a ficha caiu e comecei a sentir saudades da família. Nos primeiros dias, chorei amargamente, mas, meu caminho não tinha volta. Iniciadas as aulas, entrei em contato com o Sistema Braille, sempre guiado por professores cegos, tais como: Maria Antônia, Laurentino e José João de Vasconcelos. O educandário também contava com professores normovisuais, com quem também estudei, tais como as professoras Helena Ramalho e Valda.

 

No Instituto de Cegos da Paraíba daquela época, não havia folga para o estudante. Pela manhã, aulas da educação primária. À tarde, aulas de trabalhos manuais e de música teórica e prática. E, por fim todas as noites, éramos obrigados a rezar o terço e depois fazer os deveres de casa que deveriam ser apresentados aos professores no dia seguinte. Aos domingos, missa, que assistíamos em local próximo ao educandário, ou seja, na capela do Asilo de Mendicidade da Paraíba, local que abrigava pessoas idosas.

 

Esta era, pois, nossa rotina, que continuou até o ano de 1965, quando a família resolveu me retirar do Instituto, pois o novo plano era tentar a vida no Recife, o que aconteceu no primeiro semestre do ano seguinte.

 

O regime era austero, pois, quando cometíamos atos de indisciplina, recebíamos castigos físicos. Mesmo assim, tudo me serviu de lição e hoje, depois de tanto tempo passado, jamais esquecerei das primeiras lições que recebi no hoje Instituto de Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha.

 

Ficam aqui, pois, nesta data, registrados os meus sinceros agradecimentos àquela inesquecível casa de ensino, que jamais saiu da minha mente, quais sejam, sua fundadora, seus professores, sua Diretora e, "é claro!" meus e minhas colegas de infância. Um agradecimento todo especial, faço à Dona Severina Muniz de Medeiros, minha inesquecível  mãezinha, que tudo fez para que me tornasse realmente a pessoa vencedora que sou hoje.